Na noite desta segunda-feira, 18, a APCA, a Associação Paulista dos Críticos de Arte, divulgou os vencedores do Prêmio APCA 2020 nas categorias Arquitetura, Artes Visuais, Cinema, Dança, Literatura, Música Popular, Rádio, Teatro, Teatro Infanto-Juvenil e Televisão. Em virtude dos impactos da pandemia da Covid-19, excepcionalmente o colegiado optou por premiar menos categorias. “Em 2020, as artes enfrentaram a pior de suas crises estruturais dos últimos tempos: política e de saúde pública. A união de nossos artistas provou mais uma vez que juntos somos mais fortes e que sempre sairemos vencedores. Tudo isso acabou oferecendo aos críticos da APCA um outro olhar para a produção artística, agora com o território ampliado pela virtualidade”, disse Celso Curi, presidente da APCA.



Na categoria cinema, Sertânia (2020) e M-8: Quando A Morte Socorre a Vida (2020) empataram no quesito longa-metragem, enquanto Sete Anos em Maio (2020) foi destacado como melhor média-metragem. Votaram os críticos Flávia Guerra, Orlando Margarido e Walter Cezar Addeo. Já no quesito televisão, a série Bom Dia, Verônica (2020-) foi o grande destaque. Votaram Edianez Parente, Fabio Maksymczuk, Leão Lobo, Neuber Fischer, Paulo Gustavo Pereira e Tony Goes. Ainda não foi definido se (e como) haverá uma cerimônia para a entrega dos troféus. 


“Sertânia” é o trabalho mais exuberante de Sarno como diretor desde “Coronel Delmiro Gouveia” (Grande Prémio Coral no Festival de Havana, em 1979). É um espetáculo visual que revive o seu espírito crítico e renova a sua forma. 




Sertânia transborda de ideias. Poderia ser considerado uma obra de cineasta jovem, do tipo que deseja incluir estilos e conceitos demais num único filme. Ora, trata-se de um projeto de Geraldo Sarno, diretor de 81 anos de idade, autor, entre outros, do curta-metragem Viramundo (1965), que também abordava fluxos migratórios e a busca pelo pai em paralelo com a busca por um conceito de nação. Cinquenta e cinco anos depois, Sarno retorna ao tema, com reflexos diferentes em um Brasil fraturado, pós-ditadura militar, pós-reconstrução democrática, pós-ruptura da alternância republicana entre direita e esquerda, e pós-golpe de 2016. 


O valor do Nordeste na construção do imaginário do Brasil se transformou, o valor do cinema ousado e radical, também. O diretor resgata não apenas o filme de sertão, o cangaço e o western, mas também as vanguardas dos anos 1960, os delírios messiânicos de Glauber Rocha; um cinema que grita, que se repete em frases e imagens, fornecendo ao espectador uma vertigem equivalente àquela de seus personagens. Trata-se de uma obra profundamente estilizada, que em nenhum momento esquece a trama e o discurso político ao qual serve.



A trama abre com um narrador agonizando. E este vem a ser o protagonista: o cangaceiro Gavião, cujo nome real é Antão – um papel confiado a Vertin Moura. Arrastando-se de dor, Antão relembra o seu histórico de glórias e de desgraças ao lado de um senhor da guerra chamado Jesuíno, o Encourado, vivido por um Julio Adrião em estado de graça, num trabalho de composição capaz de tangenciar várias feridas sociológicas das Américas. Ele é ao mesmo tempo ave de rapina e cordeiro: “Só chego quando não estão me esperando“, diz, ameaçador. Jesuíno é o espelho do pai que Antão perdeu duas décadas antes, na Guerra de Canudos. 


Mas foi levado de lá e cresceu em São Paulo, onde se tornou soldado, indo, na sequência, para o Cangaço em busca de um chão tão esturricado quanto a sua alma. Jesuíno é a única bênção que a vida lhe ofereceu pois vê no rapaz um escudeiro fiel. Mas em dado momento, digno de um spaghetti western à la “I giorni dell’ira” (1967), Antão e ele trombam num choque trágico. A evocação ao faroeste de grandes cineastas italianos, como Sergio Leone, Sergio Corbucci e Tonino Valerii vem não apenas pela dimensão trágica a eles inerente, mas pela caracterização formal dos tiroteiros, estilizados, embora regados a uma adrenalina que o cinema sociológico brasileiro costuma refutar.